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MP DA LIBERDADE ECONÔMICA: QUANDO GOVERNO E CONGRESSO PARECEM CONVERGIR

Atualizado: 16 de abr. de 2020

Em 11 de julho, foi aprovada, na Comissão Mista do Congresso, presidida pelo Senador Dário Berger (MDB-SC), a Medida Provisória (MP) 881/2019, que “Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelece garantias de livre mercado, análise de impacto regulatório, e dá outras providências”. De iniciativa do Presidente da República, a MP foi publicada em 30 de abril, com o objetivo de, nas palavras do Governo, reduzir os “excessos de intervenção do Estado nas atividades econômicas”. Composta inicialmente por 19 artigos, a MP segue para análise da Câmara com 53. O novo texto, relatado pelo Deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), também será analisado pelo Senado. Se não aprovada por ambas as casas até 27 de agosto, a MP perde a validade.


Teor da Medida: o tamanho da mudança


A MP da Liberdade Econômica, como vem sendo chamada, produz uma série de mudanças no quadro normativo brasileiro, dentre as quais destacamos as seguintes.


Regulação, Fiscalização e Tributação

  • Estabelece o princípio da intervenção mínima do Estado, indicando ações que constituem abuso regulatório.

  • Dispensa autorização prévia do poder público para desenvolvimento de atividades econômicas de baixo risco, bem como para teste e oferta de novos produtos/serviços a grupos restritos, exceto se eles envolverem risco à segurança nacional, pública, sanitária ou à saúde.

  • Cria zonas de regime jurídico especial para incentivo à inovação.

  • Proíbe a interferência do Estado na precificação de produtos ou serviços.

  • Institui o Observatório Nacional da Liberdade Econômica.

  • Extingue o Fundo Soberano do Brasil, criado, em 2008, após descoberta do pré-sal.

Burocracia

  • Fixa prazo para resposta do Poder Público às solicitações de liberação de atividade econômica, com aprovação tácita em caso de descumprimento.

  • Equipara, para efeitos legais, documentos físicos a documentos digitais.

  • Cria carteira de trabalho digital e extingue o E-Social.

  • Permite a não aplicação de normas desatualizadas ou em desacordo com os padrões regulatórios internacionais.

  • Cria efeito vinculante nas decisões administrativas.

Trabalho

  • Permite o trabalho em qualquer horário ou dia da semana, independentemente do disposto em acordos e convenções coletivas de trabalho, com possibilidade de compensação, via folga, de trabalhos realizados aos domingos e feriados.

  • Assegura um repouso semanal de 24h, preferencialmente aos domingos.

  • Permite a instituição de ponto por exceção via acordos individuais entre empregado e empregador, com anotação exclusiva dos eventos extraordinários na jornada do empregado – horas extras, faltas, folgas e férias.

  • Extingue a obrigatoriedade da Comissão Interna de Prevenção de Acidente (CIPA) em estabelecimentos com menos de 20 trabalhadores, micro e pequenas empresas.

  • Enquadra trabalhadores com remuneração mensal superior a 30 salários mínimos nas regras previstas no Direito Civil em detrimento da CLT.


Defesa e crítica: liberdade econômica x precarização


A defesa: Governo, federações empresariais e entusiastas da MP acreditam que o projeto tem capacidade de gerar empregos e impactar positivamente o PIB - crescimento esperado de 7% do PIB, com geração de 3,7 milhões de novos empregos em 10 anos segundo análise do próprio Governo. Incentivo à inovação, desburocratização, flexibilização e estímulo a pequenos empreendedores são ainda aspectos positivos alardeados por parte dos defensores da MP.


A Crítica: os opositores da medida, por sua vez, dentre os quais advogados trabalhistas e entidades representativas de trabalhadores, alertam para questões relativas tanto a processo quanto a resultados.


1) Sobre processo: a MP tratava inicialmente do papel do Estado frente à iniciativa privada, tendo o Congresso a transformado em uma minirreforma trabalhista, com artigos, inclusive, sem relação com o próprio objeto da MP (os chamados jabutis, que, em teoria, são inconstitucionais). Além disso, critica-se o fato de que tão ampla mudança seja levada a cabo por meio de Medida Provisória. As MPs, por sua natureza, reduzem o tempo, os espaços e os interlocutores do debate - a sociedade civil, na maior parte das vezes, passa ao largo da construção desse tipo de projeto.


2) Sobre resultados: falta de segurança, precariedade trazida para as relações de trabalho, imenso prejuízo às atividades fiscalizatórias e centralização de poderes normativos na União em detrimento de outros entes federativos - tudo em nome de uma flexibilização com resultados econômicos de difícil previsão.


MP 881/2019 vira PVL 17/2019


Foram produzidas 301 emendas à MP proposta pelo governo. MPs alteradas pelos legisladores transformam-se em Projetos de Lei de Conversão (PVL), os quais, diferentemente das primeiras, passam a exigir sanção e/ou veto presidencial justamente em virtude das alterações feitas. O agora PVL 17/2019, portanto, que tramita em regime de urgência, deve ser aprovado pelos plenários da Câmara e do Senado até final de agosto, quando caduca a MP que lhe deu origem.


Comissão Mista: resultados em números


Na fase de análise da Comissão Mista, a MP recebe emendas de quaisquer legisladores. Das 301 emendas recebidas pela Comissão, 70% eram de autoria de deputados e 30% de senadores. 20 partidos apresentaram emendas. O PT apresentou o maior número delas (65), numa proporção de 22% do total, seguido por PDT (37), PSB (34) e PSDB (31). Do total de emendas apresentadas, 27% foram aprovadas. Os partidos com taxa de sucesso superior a 40% foram PSL, DEM, PP, PSDB e Novo. Destes, contudo, PSL e PP apresentaram número absoluto de emendas bastante inferior aos demais. Embora o PT tenha apresentado taxa de sucesso de apenas 23%, foi este o partido com maior número absoluto de emendas aprovadas (15).


Emendas apresentadas e taxa de sucesso dos partidos, cujos deputados apresentaram 5 ou mais emendas.


Perspectiva


A tramitação dessa MP é um claro exemplo de convergência de agendas do Executivo e do Legislativo. Temos destacado que os resultados do governo não são piores na arena legislativa justamente em função da proximidade entre legislador mediano e governo no que diz respeito às suas preferências econômicas. Nesse caso específico, o Congresso é quem aprofunda a agenda econômica liberal, com a proposição de mais de 30 artigos de grande impacto sobre a CLT e o Código Civil. Apesar dessa convergência, contudo, o tempo para aprovação do PVL 17/2019 é curto, especialmente se considerada a prioridade dada à Reforma da Previdência. Além disso, a oposição promete não se eximir do debate. O “inchaço” do texto inicialmente proposto pelo Governo pode dificultar a aprovação das medidas que ele considerou mais urgentes. Para contornar tal situação, é possível que a Câmara, em acordo com o Senado, retire artigos mais polêmicos do projeto que, já se promete, serão objeto de nova proposição legislativa. Caso este cenário se confirme, a liberdade econômica desejada pela Comissão Mista será postergada - projetos de lei ordinária têm tramitação muito mais lenta. Ao que parece, no entanto, o conteúdo de boa parte do PVL 17/2019 será preservado e constituirá, cedo ou tarde, parte do regramento institucional brasileiro.

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