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PARA FALAR DE CONJUNTURA...

O (des)governo no combate ao coronavírus


A medida mais relevante adotada pelo governo brasileiro antes da chegada do vírus ao Brasil foi um projeto de lei aprovado no início de fevereiro, na ocasião do repatriamento dos brasileiros que se encontravam na província de Wuhan, e que dispunha sobre os poderes do Ministério da Saúde durante o período de emergência. A nova legislação referia-se principalmente à celeridade de compras públicas de materiais hospitalares e foi uma das poucas ações do governo federal antes de o país já estar imerso em situação de calamidade. Desde esse evento até os primeiros casos de contaminação verificados no Brasil, o presidente mostrou-se inerte, quando não em flagrante campanha de boicote a medidas preventivas. Na ausência de liderança que coordenasse as diferentes políticas adotadas por estados e municípios, papel reservado ao presidente (e tão importante em uma federação), os governadores estabeleceram seus próprios regimes de quarentena. Na semana entre os dias 9 e 13 de março, os governos de Distrito Federal, Rio de Janeiro e São Paulo emitiram decretos e propuseram legislação nesse sentido.


Mudanças (e dúvidas) na Saúde


A atuação do presidente Jair Bolsonaro no curso do mês de março caracterizou-se por dois feitos: sua campanha contra as medidas defendidas pelo agora ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e adotadas pelos governadores, e seus passeios frequentes pelas ruas do Distrito Federal, tendo, inclusive, estimulado e participado de esvaziadas manifestações contra o Congresso no dia 15 de março, já em meio à pandemia. O motivo da disputa era a defesa enfática por parte de Bolsonaro do fim das quarentenas. Acredita o presidente que a crise econômica provocada pela parada abrupta do setor econômico seria mais prejudicial à população brasileira, muito embora não tenha apresentado um plano alternativo mais concreto. O desgaste entre presidente e ministro prolongou-se até hoje, dia 16 de abril, quando Mandetta foi demitido do cargo, após ter perdido respaldo da ala militar do governo. O país agora espera para saber qual direção será adotada por Nelson Teich, médico oncologista, novo titular da pasta. Teich, até então, manifestou-se a favor da manutenção das regras de isolamento social e realização de testes em massa, reforçando a ideia de que a atenção à saúde e o cuidado com a economia devem andar juntos no enfrentamento à crise.


O isolamento de Bolsonaro


A atitude de Jair Bolsonaro deve ser entendida como resposta prematura a eventual desgaste econômico provocado pela crise. Essa aposta, entretanto, já cobra alto preço político do presidente. A aprovação de seu governo, que seguia curso lento de recuperação no segundo semestre de 2019, voltou a cair para algo em torno de 30%, a depender do instituto de pesquisa, patamar semelhante ao de meados de 2019. Ao fim de março, completaram-se mais de 15 dias seguidos de panelaços contra o presidente nas principais capitais brasileiras. Em diversas ocasiões, os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), reiteraram críticas ao presidente e manifestações de apoio ao então ministro da Saúde. Bolsonaro não escapou sequer de críticas de alguns dos aliados de primeira hora, como o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM-GO), reconhecidamente ligado a setores conservadores do ruralismo e da política nacional. Ainda assim, o ministro foi demitido. Nesse momento, o destino do presidente não está tanto no apoio que receberá do Congresso, onde sua imagem já está severamente desgastada, mas na posição daqueles que são os principais fiadores de seu governo: os militares.


Tutela militar


O isolamento de Jair Bolsonaro no Congresso - se não tanto na sociedade, onde ainda apresenta significativa, embora desgastada, base de apoio - tornou seu governo ainda mais dependente dos militares, que têm lugar de destaque desde o início do mandato, ocupando ministérios e principais cargos auxiliares no Planalto. Em meio à crise política, que em março girou em torno do embate entre Bolsonaro e Mandetta, o ministro da Casa Civil, o general Walter Braga Netto, assumiu função essencial no governo, sendo tratado pelas Forças Armadas e pela mídia como "presidente operacional" do Brasil. A medida é antes de tudo um gesto que redobra a aposta de Bolsonaro em ter os militares como principais fiadores do governo.


Fim da agenda fiscal?


A crise da Covid-19 põe em xeque a política conduzida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. O tempo dirá se sua agenda econômica não desmoronará como um castelo de cartas nos próximos meses. Até lá, um exercício de prospecção deve discernir duas ordens de medidas adotadas pelo ministro e sua equipe, sendo ambas continuidade daquelas iniciadas ainda no governo de Michel Temer pelo então ministro Henrique Meirelles. A primeira é a agenda fiscal, organizada em torno da emenda constitucional do teto de gastos, que limita o crescimento nominal dos gastos públicos do governo federal. Essa, sem dúvida, se encontra ameaçada, não apenas pelo reconhecimento do estado de calamidade pública por parte dos poderes executivo e legislativo federais, que desobriga o governo das limitações fiscais impostas por lei, mas também pela iminente recessão que se abaterá sobre o país. De fato, essa agenda já angariava um número cada vez maior de críticos frente aos números da economia ao final do primeiro ano de governo. Eventual pressão pela continuidade de uma política fiscal expansionista ao fim do período de calamidade é uma possibilidade cada vez mais concreta, a despeito da posição do ministro, que deve permanecer intransigente na defesa da política de austeridade fiscal. Por outro lado, os impactos fiscais das diferentes medidas tomadas diante da crise têm recebido cada vez mais atenção do mercado financeiro.


A legislação trabalhista: antes e depois da crise


A segunda agenda prioritária do governo é a de flexibilização da legislação trabalhista, também já iniciada no governo anterior. O Ministério da Economia preparou, ainda em 2019, uma nova rodada de mudanças na legislação trabalhista, com a medida provisória (MPV 905/2019), que institui o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo. A medida foi aprovada no último dia 14 pela Câmara dos Deputados, de onde segue para avaliação do Senado. Sua aprovação soma-se à edição de duas outras MPVs (927/2020 e 936/2020) que, em resposta à crise provocada pela Covid-19, flexibilizam a CLT. O governo redobrou sua aposta na sobreposição do negociado sobre o legislado, abriu a possibilidade de suspensão de contratos de trabalho e de redução de jornada e salário, proporcionalmente, e privilegiou, ainda mais, as negociações individuais em detrimento das coletivas. A pauta de flexibilização das relações de trabalho tem sobrevivido aos atritos entre Planalto e Congresso e segue como um dos pontos de convergência do Legislativo com o governo, em virtude da agenda programática, majoritária, levada a cabo por partidos de centro e de direita da Casa. Por essa razão, a pauta deve sair fortalecida do período de crise.



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