As queimadas e o agronegócio
Agosto chega ao fim com a pior crise do governo desde as manifestações contra as mudanças e cortes no Ministério da Educação. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) vem alertando, desde julho, para o crescimento acima da média do desmate na região amazônica, fato que terminou com a demissão do diretor geral do instituto, Ricardo Galvão. Após a fumaça das queimadas escurecer o céu da maior cidade do país, São Paulo, que fica a mais de dois mil quilômetros da região amazônica, o tema reverberou internacionalmente e foi pauta da reunião do G7, grupo das maiores economias do mundo. A França de Macron, em particular, defendeu abertamente medidas de sanção ao agronegócio brasileiro. A reação de Bolsonaro, de negação e crítica à intromissão estrangeira, não apenas ignorou o risco real de danos à exportação de produtos nacionais, como foi em direção contrária a um dos eventos mais celebrados pelo Planalto em seu início de governo: o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia. A redução das barreiras aos produtos agrícolas brasileiros é o principal trunfo do incremento do comércio entre os dois blocos e encontra no Parlamento francês um dos maiores obstáculos à sua aprovação.
Divergências no governo
Se as críticas à nova política educacional, que motivou os primeiros grandes protestos contra o presidente, parecem ter mobilizado oposição contra governo, a questão do desmatamento expõe cisões na Esplanada dos Ministérios e entre setores da direita afinados com mudanças no rumo econômico do país. Ciente das possíveis consequências da crise ambiental para o agronegócio, o Ministério da Agricultura tem se colocado na linha de frente para conter os danos à imagem da agricultura brasileira, diferentemente dos sinais emitidos pelo Planalto e pelo Ministério do Meio Ambiente. Por decisão de Bolsonaro, o tema caiu novamente no colo dos militares, que, legitimados pela retórica nacionalista do presidente, estão tratando o assunto da mesma maneira que faziam na década de 1970, quando estavam no poder: como questão de soberania territorial. Essa opção lança dúvidas quanto à manutenção das políticas ambientais estabelecidas no Brasil desde a década de 1980, ainda que mudanças de maior envergadura não dependam apenas da Presidência. Resta ver como as principais lideranças do Congresso lidarão com o tema de agora em diante. Também lá é possível observar divergências a respeito do tema. No início do ano, a Câmara dos Deputados chegou a aprovar mudanças no código florestal com o intuito de diminuir as áreas protegidas. O projeto, entretanto, não prosperou no Senado.
Limites à Lava-Jato
A ameaça de Jair Bolsonaro de intervir na direção da Polícia Federal (PF) criou uma rusga com Sérgio Moro, que já estava enfraquecido devido à publicização de suas conversas com os procuradores da Operação Lava Jato, quando ele ainda era juiz atuante nos processos da mesma operação. Aventa-se a possibilidade de que o presidente esteja motivado pelo risco de que a investigação sobre o caso Queiroz resvale sobre sua família, em particular seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). Em todo caso, o momento delicado do ministro da Justiça soma-se a outros revezes da operação Lava-Jato. A segunda turma do STF anulou a condenação de Aldemir Bendine, ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras, por problemas de ordem processual, o que lança incertezas quanto à manutenção de outras decisões de Sérgio Moro tomadas no âmbito da operação. O caso ainda será levado ao Plenário do Supremo, onde o apoio à Lava-Jato será testado em seu momento de maior fragilidade. No Congresso, foi aprovado o projeto de lei de abuso de autoridade, que prevê punições para servidores dos três poderes da República, incluído, portanto, o Judiciário. O projeto seguiu para sanção presidencial, que decidirá se e quais pontos vetar, sabendo-se de antemão que esses vetos podem ser derrubados por sessão conjunta do Congresso Nacional.
Privatizações e previdência
A reforma da previdência tramita em ritmo acelerado no Senado e em breve será votada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde o projeto recebeu parecer favorável do relator Tasso Jereissati (PSDB-CE). De lá, a reforma segue para o Plenário da Casa, onde será debatida e votada em dois turnos. Embora a expectativa seja de sua aprovação, duas propostas de emendas constitucionais (PEC) ainda podem alterar de forma substantiva a reforma. A primeira tentará incluir servidores de estados e municípios nas mudanças na previdência, exigindo apenas lei ordinária para que os sistemas dos entes federativos sejam alterados. A segunda, ainda em fase de discussão no Planalto, versará sobre o estabelecimento de regime de capitalização no país. Embora as reformas tenham encontrado receptividade no Congresso, o ritmo lento da recuperação econômica já preocupa o governo. O Ministério da Economia divulgou uma lista de empresas estatais que pretende privatizar nos próximos anos, dentre as quais se incluem os Correios, a Eletrobras e a Telebras, como forma de estimular o investimento privado e emitir nova sinalização para os mercados, em momento de preocupação com nova recessão global.
A sombra de 2022
Os dados econômicos por ora são desanimadores. Apesar da notícia de que o PIB trimestral avançou mais do que o esperado, puxado por investimentos privados, o desemprego ainda permanece em patamar elevado e o pequeno recuo que teve se deveu à criação de trabalhos informais e precarizados. A previsão de orçamento para 2020, por sua vez, indica que o investimento público sofrerá nova redução. É também ainda incerto o efeito da crise ambiental e de possíveis sanções e reações sobre a frágil retomada da atividade no país. O presidente Bolsonaro reconheceu recentemente que o cenário econômico poderá influenciar as eleições de 2022, em particular face à última pesquisa CNT/MDA e à Datafolha, que mostram a desaprovação ao governo beirando 40% da opinião pública, quase 10 pontos percentuais mais que o percentual daqueles que o aprovam, revelando desgaste mesmo em bases até agora fiéis ao presidente. Embora negue que isso influenciará suas decisões, a recente troca de farpas com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB-SP), sugere que a futura campanha presidencial já é objeto de preocupação do atual mandatário. Resta ver se e por quanto tempo a agenda econômica permanecerá à salvo de seus interesses eleitorais.
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