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O valor estratégico de cidades médias e grandes nas eleições municipais


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Na primeira análise do Especial Eleições 2020, observamos que os pleitos municipais não têm relação necessária com as eleições presidenciais. Os temas debatidos são outros, de viés local, e nem sempre são indicativos dos sentimentos da opinião pública sobre o desempenho do presidente ou sobre temas nacionais. Isso ajuda a entender, por exemplo, por que, a despeito da significativa redução do número de prefeituras do PT em 2016, seu candidato à presidência em 2018, Fernando Haddad, chegou ao segundo turno.


Essa diferença entre os dois tipos de pleito, não cancela, contudo, o valor estratégico das eleições municipais para os partidos políticos. Pelo contrário, muitos usam as eleições municipais para consolidar suas bases, formar lideranças, testar políticas públicas e fortalecer sua marca. Isso é tanto mais verdade para os municípios com mais de 200 mil eleitores (o que inclui todas as capitais brasileiras, exceto Palmas). Essas cidades concentram boa parte da população e da riqueza do país. Além disso, nelas existe campanha na TV aberta (o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral) e há previsão de segundo turno caso algum candidato não obtenha mais de 50% dos votos válidos. Em 2000, havia 62 cidades nessa categoria. Nas últimas eleições, em 2016, 92 atingiam essa marca demográfica, sendo que o Sudeste concentra mais da metade delas. Em 2020, serão 95 municípios.


Tabela 1. Cidades com mais de 200 mil eleitores


Ou seja, nessas poucas cidades (no universo de mais de 5.000 municípios no Brasil), os partidos têm a oportunidade de organizar suas bases e defender suas ideias para uma parte muito substantiva do eleitorado. Isso é especialmente verdadeiro para agremiações com pretensões nacionais, principalmente à cadeira presidencial. Nessas siglas, a estratégia de campanha para esse seleto grupo de cidades grandes tem participação decisiva e ativa dos diretórios nacionais enquanto a organização de campanha no restante das cidades fica a cargo de diretórios regionais e municipais. Assim, as estratégias adotadas pelos partidos nas cidades grandes refletem melhor o jogo de alianças nacional do que aquelas adotadas nos municípios pequenos.


Tabela 2. Partidos que mais controlam prefeituras de municípios com mais de 200 mil eleitores


Partidos como PSB, PDT e DEM aparecem com frequência dentre as cinco mais bem posicionadas no conjunto de cidades aqui analisadas. A força da máquina política do PMDB (hoje MDB) nos municípios é conhecida – a legenda controla há tempos o maior número de municípios no país – de modo que a presença desse partido entre os três mais bem colocados é esperada. Entretanto, o que chama a atenção é o predomínio de PT e PSDB, partidos que também protagonizaram a disputa presidencial nas últimas décadas, ambos postados quase sempre à frente do PMDB. O PT, em particular, desde 2000, quando ainda era oposição, foi repetidamente o partido a controlar o maior número de prefeituras das maiores cidades. Tendo governado poucos estados até 2006, os petistas usaram essas prefeituras para formular políticas e preparar quadros que ocupariam o governo entre 2003 e 2016, como é o caso de Tarso Genro, Antonio Palocci, Patrus Ananias, dentre outros.


Tabela 3. Nº de prefeituras com mais de 200 mil eleitores

A queda no número de prefeituras em 2016 é sintoma da crise vivida pelo partido na época do impeachment. Ao mesmo tempo, o PSDB surge em 2016 como o partido mais vitorioso nesse conjunto de cidades, tendo vencido as eleições em quase ⅓ delas, incluindo a cidade que muitos consideram a joia da coroa, São Paulo, onde João Doria desbancou o candidato à reeleição petista Fernando Haddad. É importante apontar para os exemplos inversos de PT e PSDB. Se o primeiro, como dissemos, foi mal nas eleições municipais de 2016 e bem na presidencial de 2018, o PSDB saiu das eleições de 2016 como partido consolidado nos grandes centros urbanos, mas teve um desempenho fraquíssimo no pleito seguinte, com o candidato Geraldo Alckmin. Os percalços de PT e PSDB revelam, assim, duas faces da crise que desde 2016 assola o sistema partidário brasileiro.


Para 2020, é de se esperar que os partidos ou blocos que almejam disputar a próxima eleição presidencial se esforcem para lançar candidaturas próprias principalmente nesse grupo de cidades, tendência reforçada ainda pelo fim das coligações proporcionais (conforme explicamos no primeiro texto da série). É o que planeja fazer o PT na maioria desses mais de 90 municípios. O PSDB, por sua vez, deve seguir caminho parecido, com a ressalva de que a prioridade do partido continua a ser São Paulo, estado de origem dos tucanos e que concentra parte significativa das cidades médias do país. Em 2016, 14 das 29 cidades conquistadas pelos tucanos eram paulistas.


A dúvida fica por conta da estratégia que será adotada pelo “bolsonarismo”: sem um partido sólido, os aliados do presidente se dividem em muitas siglas, encontrando abrigo principalmente no Republicanos (do prefeito carioca Marcelo Crivella e do candidato à prefeitura de São Paulo, Celso Russomanno) e no PSL, ex-partido do presidente com o qual ele ainda mantém laços. A estrutura partidária, seja do próprio partido do candidato seja da coligação que o apoia, sempre foi fundamental para o sucesso da campanha presidencial até 2018, quando Bolsonaro conseguiu vencer uma eleição “montado” em um partido nanico e sem coligação. Historicamente, a estrutura partidária foi também fundamental para o sucesso nas eleições municipais. Resta saber se a ausência de um partido estruturado afetará a evolução da nova direita brasileira no médio prazo. Por ora, o que podemos afirmar é que tal falta limita as articulações do presidente nas eleições municipais, principalmente nas maiores cidades do país, bem como as chances de usar o pleito para consolidar sua base política, como fizeram PT e PSDB ao longo das décadas da Nova República.


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