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Impacto da pandemia de Covid-19 sobre as eleições de 2020

Atualizado: 11 de mai de 2020

A pandemia de Covid-19 ameaça o calendário eleitoral de 2020. Diversos países têm postergado a realização de eleições locais e nacionais em consonância com as medidas restritivas de deslocamento e aglomeração, necessárias à restrição da propagação do coronavírus em escala global.


No Brasil, o debate sobre as eleições municipais, previstas para outubro, permanece pouco aquecido, embora não faltem razões para que o assunto esteja no horizonte imediato de discussões no Congresso. As convenções para escolha partidária dos candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador acontecem somente entre os meses de julho e agosto, mas o calendário eleitoral, com diversas outras etapas anteriores, segue em vigor, sem qualquer alteração.


No mês de abril, por exemplo, encerraram-se alguns prazos importantes: aprovação, pelo TSE, de registro de partidos aptos a disputar a eleição; desincompatibilização de secretários municipais, dirigentes de autarquias, fundações e/ou empresas públicas interessados em concorrer a cargos de vereador; e mudança justificada de partido para vereadores que buscam reeleição ou cargos de prefeito e vice-prefeito. Neste mês de maio, precisamente a partir do dia 15, pré-candidatos aos cargos eletivos estarão aptos a iniciar processo de arrecadação prévia de recursos via modalidade de financiamento coletivo. Há, portanto, uma série de escolhas individuais e coletivas em curso para o pleito de outubro, apesar de mantido o cenário de incerteza com relação à realização das eleições.


No intuito de contribuir para o debate, este artigo busca sistematizar e lançar luz sobre o contexto atual e as estratégias de solução do impasse em torno das eleições.


Contexto internacional e regional


De acordo com informações da International Foundation for Electoral Systems, quase 90 eleições foram adiadas em 53 países como decorrência da pandemia provocada pelo coronavírus. Em mais de 50% delas não há nova definição de data para realização do pleito. Em apenas 4 países o adiamento foi proposto por 1 ano - Austrália, Canadá, Letônia e Inglaterra. Nos demais casos, as eleições foram postergadas majoritariamente por até 3 meses. Vale ressaltar que em praticamente todas as situações de adiamento, as eleições estavam previstas para serem realizadas entre março e maio, pico da curva epidêmica em grande parte desses países.


Entre os nossos vizinhos, a Argentina adiou suas eleições municipais de março para setembro; na Bolívia, que vive hoje situação conturbada, com um governo de transição, a eleição presidencial de março foi postergada sem que nova data tenha sido definida; no Chile e na Colômbia, respectivamente, houve adiamento do referendo constitucional e das eleições municipais, ambos previstos para o mês de abril. Já no Brasil, foi desmarcada a eleição suplementar (prevista para abril) para substituição da senadora matogrossense, Selma Arruda (PODE-PR), cujo mandato foi cassado por abuso de poder econômico. As eleições municipais de outubro ainda são objeto de pouco debate público no país.


Contexto nacional: eleições saem de cena em meio a crises de diversas ordens


A crise sanitária nacional, com esgotamento do sistema público de saúde, é apenas uma das crises enfrentadas pelos brasileiros de meados de março até então. A expectativa de recessão econômica no pós-imediato à redução da curva epidêmica brasileira e os cálculos políticos que daí decorrem têm aprofundado divisões dentro do Planalto, entre o Planalto e o Congresso, e entre o Planalto e o STF, com consequências potencialmente graves para a estabilidade do jogo político no Brasil. Enquanto o país caminha rumo ao pico da pandemia, foram substituídos os ministros da Saúde e da Justiça; houve mudança no comando da Polícia Federal, embargada pelo STF mediante acusações de cometimento de crime de responsabilidade por parte do presidente; divergência entre União e Estados no tocante à instituição de regras de distanciamento social; desrespeito presidencial às orientações da OMS; participação do presidente em manifestações favoráveis ao fechamento do Congresso e do STF; e apresentação de dezenas de pedidos de impeachment. A baixa repercussão do debate sobre as eleições municipais nas duas casas legislativas e na mídia é, de certa forma, reflexo desse cenário.


No final de março, o deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG) verbalizou publicamente sua intenção de buscar apoio a uma proposta de emenda constitucional (PEC) que garantisse unificação das eleições em 2022 e mandatos de 5 anos sem possibilidade de reeleição a partir de 2026. O Deputado Paulo Guedes (PT-MG) manifestou interesse em apresentar PEC sobre adiamento das eleições para dezembro. O tema ganhou certa proeminência midiática momentânea, mas, como as PECs não foram apresentadas, o debate arrefeceu. De um modo geral, no entanto, grande parte dos parlamentares que têm vindo a público manifestar sua posição sobre o tema, incluindo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, é favorável a um eventual adiamento, desde que sem unificação geral das eleições e sem qualquer prorrogação de mandato. Ministros do STF e do TSE apenas recentemente acenaram, de forma individual, na mesma direção, sem que tenha havido posicionamento coletivo formal de ambas instituições.


Mídias sociais não tratam do assunto: o exemplo do twitter


Na plataforma Twitter, que dentre as mídias sociais é aquela que mais reverbera os eventos políticos, o assunto foi objeto de menos de 700 tweets entre os dias 30 de abril e 06 de maio. A rede do twitter no período tem baixa densidade, refletindo a pouco circulação do tema, com algumas comunidades fortemente conectadas. O senador Álvaro Dias (PODE-PR) e a juíza criminal, Renata Gil, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, foram as figuras públicas mais retweetadas, sendo responsáveis, portanto, por boa parte do conteúdo veiculado sobre o tema, que, nesse caso, se restringiu a fornecer informações sobre algumas etapas do calendário eleitoral.


Rede de RTweets sobre eleições 2020


Câmara dos Deputados trata das eleições, mas muito pouco da data de votação


Há 43 ações legislativas sobre as eleições de 2020 registradas, na Câmara, desde o começo do ano, consideradas as proposições legislativas de tipo mais relevante, além de indicações e requerimentos de informação. Desse total, 80% têm apresentação posterior à primeira quinzena de maio, sendo coincidentes com o período de edição de medidas mais restritivas de prevenção e combate ao coronavírus, embora poucas sejam as propostas que efetivamente alteram a data das eleições. Os partidos mais propositores foram PSL e PDT.


Proposições da Câmara, em 2020, por autoria e data de apresentação.


A maior parte das atividades legislativas aqui analisadas trata da destinação dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEEC) e/ou do Fundo Partidário (FP) para o combate à pandemia, cerca de 42%. Ou seja, em caso de manutenção das eleições em outubro, e de eventual aprovação de tais proposições, o financiamento dos candidatos tende a ser significativamente menor. Até então, contudo, não parece haver concordância ampla dos parlamentares em torno da redução orçamentária eleitoral, especialmente por ser este o ano que marca o fim das coligações para cargos eleitos via sistema proporcional.


Proposições da Câmara, em 2020, por sub-temas relativos às eleições municipais


O gráfico seguinte de rede relaciona partidos autores e temas pertinentes à eleição, objeto de suas proposições. Há apenas 6 ações legislativas em 2020 que propõem alteração da data das eleições, além de dois requerimentos de informação aos ministérios da Justiça e da Saúde. As propostas de unificação das eleições são de autoria do PSL e do MDB. As de adiamento do PL, PP e PDT.


Rede de correspondência entre sub-temas relativos às eleições municipais e partidos autores dessas proposições em 2020



Nenhuma das 43 proposições acima mencionadas foi à votação em plenário. Vale lembrar que a decisão pela mudança na data é prerrogativa do Legislativo, e que eventual unificação das eleições em 2022 é objeto próprio e exclusivo de emenda constitucional, com quorum qualificado e votação em dois turnos, não sendo passível de implementação via projeto de lei ordinária ou ato unilateral de outros poderes.


É importante ressaltar ainda que a unificação das eleições é demanda antiga de alguns setores e grupos sociais, tendo sido imposta pelos militares nas eleições de 1982. Há 7 propostas de emenda constitucional com este teor, que ainda tramitam conjuntamente na Câmara, apresentadas anteriormente à crise de Covid-19, das quais 4 no ano de 2019. Os autores dessas PECs são do PTB, PDT e do MDB.


Propostas de unificação anteriores a 2020


Perspectivas e riscos


A julgar pelos números impactantes da Covid-19 no Brasil, é provável que haja adiamento das eleições, ainda que sob risco de que a discussão a respeito da alteração de data seja conturbada por propostas de unificação dos pleitos. A última, no entanto, em nada se relacionada com a primeira. Adiar as eleições, de modo que sejam resguardados direitos individuais e coletivos relativos à vida e ao processo eleitoral, significa postergar a data de votação e, por conseguinte, alguns marcos do calendário eleitoral, até que a curva de transmissão do vírus flexibilize as medidas restritivas em vigor e/ou haja alternativas seguras de realização da votação. Unificar os pleitos implica prorrogar mandatos em curso. Os defensores da ideia enfatizam a redução dos custos em anos eleitorais, mas há inúmeros riscos que devem ser considerados, alguns dos quais listados a seguir.


Em primeiro lugar, em cenário de conjugação de eleições locais e nacionais, as locais necessariamente perdem proeminência. O debate se nacionaliza, com custos elevados para discussão dos problemas municipais. Em segundo, eleições unificadas impõem custo informacional significativamente maior para os eleitores, o que impacta negativamente a qualidade do voto. Além disso, a decisão de eventual unificação dos pleitos, com prorrogação dos mandatos atuais, fere substantivamente o procedimento democrático, na medida em que estende o mandato representativo concedido pelo voto pelo prazo de 4 anos. Essa é a razão, inclusive, pela qual quaisquer alterações na legislação eleitoral só podem valer para o ano seguinte. A economia de recursos, vale ressaltar, não justifica o comprometimento do rito democrático e não é condição que só se possa alcançar mediante a unificação.


A Confederação Nacional dos Municípios tem defendido eleições unificadas, alteração que hoje beneficia prefeitos e vereadores em exercício, além de seus respectivos partidos. Por outro lado, parlamentares interessados em concorrer a postos-chave nos municípios constituirão forte grupo que certamente agirá contra a unificação, cujo resultado será, dentre outros, que o deputado candidato perca a chance de administrar suas escolhas de carreira, sem perda do mandato parlamentar. A taxa de deputados federais que concorrem a prefeituras no meio de seus mandatos é historicamente de 15 a 20%.


A despeito da quase ausência de debate a respeito do tema, a aposta hoje é de que, se não mantidas as eleições em outubro, serão elas realizadas até início de 2021, com o mínimo de interferência sobre as regras vigentes, possibilidade de extensão dos dias de votação e/ou determinação de escalas de comparecimento às urnas por faixa etária. As últimas sugestões foram feitas, nos últimos dias, pelo ministro Luís Roberto Barroso, que está em vias de assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral. O TSE não tem a prerrogativa de fazer a mudança, mas assume papel importante na liderança das discussões.


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