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O primeiro turno das eleições de 2020 mostrou em linhas gerais as mudanças que o pleito trouxe para o cenário político do país: arrefecimento da extrema direita, crescimento da centro-direita, perda de eleitorado da centro-esquerda nos municípios e persistência do PT como força central da esquerda. Os resultados das 57 cidades nos quais ocorreu segundo turno pouco afetam os números agregados dos mais de 5.000 mil municípios do país. No entanto, quando se tem em vista apenas os municípios com mais de 200 mil eleitores e/ou as capitais de estado, os resultados de segundo turno são elucidativos. Por essa razão, analisamos o desempenho dos principais partidos nas 93 cidades que cumpriram esse critério nos anos de 2016 e de 2020. Com grande impacto na vida nacional, essas cidades são domicílio para quase 40% do eleitorado nacional e contam com horário gratuito de propaganda eleitoral em TV aberta, sendo, portanto, espaços estratégicos para os partidos organizarem suas máquinas e comunicarem sua mensagem.
Para avaliar as mudanças e a força dos principais partidos brasileiros, levantamos o desempenho de 11 agremiações nesse conjunto de cidades. Para isso, avaliamos não apenas a quantidade de prefeituras conquistadas, mas também a disposição e capacidade de os partidos lançarem candidaturas competitivas, além de votos recebidos. Para mensurar candidaturas competitivas, consideramos a soma dos candidatos eleitos e dos segundos colocados no pleito, assumindo-se como premissa o fato dessas colocações trazerem dividendos eleitorais para os partidos. Isso é ainda mais forte para as candidaturas que, terminando em segundo lugar, conseguiram ir ao segundo turno, ganhando visibilidade extra, mais tempo de campanha e a chance de aumentar o número de votos em seu candidato em relação ao primeiro turno. Nesta análise, contudo, consideramos todas as candidaturas que obtiveram a segunda colocação, indo ou não ao segundo turno.
As tabelas 1 e 2 apresentam esses dados. Nelas, os partidos estão ordenados pelo maior número de prefeituras conquistadas. Em parênteses, ao lado do número de candidaturas competitivas, adicionamos a colocação do partido nesse quesito.
Tabela 1. Candidaturas nas eleições de 2020
(cidades com mais de 200 mil eleitores em 2016 e 2020)
O PSDB teve em 2020 o melhor desempenho nas maiores cidades do país, tanto em quantidade de prefeituras conquistadas (18), quanto em termos de candidaturas competitivas (25). No que diz respeito a candidatos(as) eleitos(as), o PSDB é seguido por MDB, PSD e DEM, os dois últimos confirmando nas cidades grandes o bom desempenho que obtiveram no país em seu conjunto. Ressalta-se também a incapacidade de o PSL transformar em força eleitoral os vultosos recursos obtidos via fundos públicos de financiamento partidário e de campanha. Seu desempenho é o pior dentre os partidos analisados, tanto em termos de prefeituras conquistadas (0), quanto de candidaturas competitivas (4).
Na esquerda, PT, PSB e PDT aparecem empatados em termos de prefeituras conquistadas, com quatro cidades cada um, ao passo que o PSOL conquistou uma, Belém do Pará. Entretanto, se observarmos o total de candidaturas competitivas, o PT apresenta resultado significativamente melhor do que os demais partidos de esquerda, atrás, no cômputo do geral, apenas do PSDB. É importante ressaltar, contudo, que a diferença na quantidade de primeiros e os segundos lugares alcançados pelo partido possivelmente encontra-se associada à persistência e ao vigor do antipetismo, o qual teria se manifestado no segundo turno, quando as disputas assumem caráter plebiscitário: o PT chegou ao segundo turno em 15 cidades e venceu em apenas quatro.
De qualquer modo, o número de candidaturas competitivas do partido mostra sua força e enraizamento, e o posiciona bem para as eleições proporcionais de 2022. Uma comparação entre PT e PSOL reforça o ponto. Os dois partidos foram os que lançaram o maior número de candidaturas nas maiores cidades do país, respectivamente 75 e 69, de um total de 93 municípios. O PSOL, no entanto, apresentou apenas 6 candidaturas competitivas, enquanto o PT, 20.
Tabela 2. Candidaturas nas eleições de 2016
(cidades com mais de 200 mil eleitores em 2016 e 2020)
A comparação do quadro de 2020 com o de 2016 nas mesmas cidades permite uma perspectiva mais dinâmica desse processo. O desempenho do PSDB teve queda significativa. Em 2016, o partido elegeu 29 prefeitos(as) e teve 36 candidaturas competitivas, contra 18 e 25 em 2020. A comparação também mostra uma vez mais o crescimento substantivo do DEM, que saltou de 5 para 9 prefeituras conquistadas e de 7 para 12 candidaturas competitivas.
Na centro-esquerda, PSB e PDT, mesmo tendo lançado mais candidatos em 2020 do que em 2016, tiveram menos candidaturas competitivas. Respectivamente, 16 e 11 no ano de 2016 e 9 e 8 em 2020. Nesse campo, o quadro comparativo mostra o crescimento do PT, que saltou de 1 para 4 prefeituras conquistadas e de 12 para 20 candidaturas competitivas, a despeito da queda no número de prefeituras, se considerada a totalidade dos municípios brasileiros.
Por fim, comparamos também a evolução no total de votos desses partidos nas maiores cidades. O total de votos válidos nesse universo diminuiu ligeiramente entre 2016 e 2020, de quase 37 milhões de votos para quase 35 milhões, devido ao aumento da taxa de abstenção.
A tabela 3 apresenta esses dados, por partido, bem como a variação percentual de uma eleição para a outra. A tabela está ordenada pelo desempenho em 2020. Os números em parênteses indicam a colocação do partido em termos de votos recebidos.
Tabela 3. Total de votos por partido
(cidades com mais de 200 mil eleitores em 2016 e 2020)
Os dados reiteram o quadro desenhado até aqui. O PSDB mantém a primeira colocação, principalmente em função das prefeituras conquistadas em São Paulo, estado com o maior número de grandes cidades no país. Há, no entanto, uma queda significativa de seu desempenho quando comparado ao pleito de 2016: uma perda de cerca de 43% dos votos. Na centro-direita, destacam-se, novamente, DEM e PSD. O primeiro obteve um acréscimo de 74% de votos, tendo tido o terceiro melhor desempenho geral. Já o PSD, aumentou em 37%, pulando da 6º para a 4ª colocação. Novamente aqui o desempenho do PSL é pífio: o aumento de mais de 7000% resulta da base praticamente nula da qual partiu em 2016, quando obteve apenas 14.837 votos. Em termos absolutos, seu desempenho foi o pior de todos os partidos analisados.
No campo da esquerda, o total de votos confirma a força do PT nas grandes cidades, ainda significativamente maior do que a dos demais partidos de seu campo. Foi a segunda legenda mais votada no cômputo geral, mesmo considerando o fraco desempenho de seu candidato na maior cidade do país, São Paulo. Além disso, seus votos cresceram 20% em relação a 2016. Um aumento maior do que o do PSOL (14%), em que pese o bom desempenho de seu candidato Guilherme Boulos na capital paulista.
Em conclusão, a busca de vencedores e derrotados pode limitar a acurácia da análise. Dificilmente se pode dizer que o PSDB saiu derrotado, por exemplo, em que pese a redução de seus votos e certa concentração de sua força eleitoral no estado de São Paulo. O partido permanece o mais votado dos grandes centros do país e bem posicionado para as eleições de 2022. Uma mudança importante deste ano foi o crescimento do DEM nos maiores municípios. Herdeiro do antigo PFL, teve de se reinventar enquanto um partido mais urbano e moderno, em empreitada que parece ter sido exitosa, ao menos por ora. Seu desempenho nas eleições de 2020 e o papel que exerce no Congresso o credenciam para ter voz importante no tabuleiro político de 2022, com potencial para inversão de sua relação histórica com o próprio PSDB, em eventual construção de candidatura nacional conjunta. Resta saber como o partido sentirá a possível perda das presidências da Câmara e do Senado no próximo biênio.
No campo da esquerda, apesar de bons desempenhos pontuais de PSOL, PSB e PDT, nenhum desses partidos parece ainda ter a capacidade de mobilização e o enraizamento construídos pelo PT nos grandes centros ao longo de sua história. Tampouco, entretanto, é o caso de se falar em vitória desse partido. Em 2020, o PT teve êxito em sua estratégia de defender sua marca e programa nas principais cidades brasileiras e se colocar como alternativa viável de poder, possivelmente com frutos para as eleições de 2022, as primeiras sem coligações para cargos proporcionais em nível federal. Alguns desafios, no entanto, permanecem no horizonte da legenda: minimizar o ainda persistente antipetismo e conciliar sua força partidária com o surgimento de importantes lideranças em outras agremiações, bem como a resistência de outros partidos a um eventual novo protagonismo petista.
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