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Desestatização no governo Bolsonaro: agenda e perspectivas para 2020

Atualizado: 16 de abr. de 2020

A bandeira do governo


Diminuir a participação do Estado na economia para aumentar a competitividade brasileira foi uma das principais bandeiras econômicas da campanha eleitoral do hoje presidente Jair Bolsonaro. A promessa de conduzir, ao Ministério da Economia, Paulo Guedes, PH.D pela Universidade de Chicago e sócio fundador do Banco Pactual, cumpriu a função de convencer o mercado da agenda radicalmente liberal do então pleiteante à presidência. No início de janeiro de 2019, com Guedes no ministério, já havia um secretário de desestatização e desinvestimento nomeado, Salim Mattar, empresário dono da maior empresa de locação de carros do Brasil, presente em 9 países da América do Sul.


O secretário assumiu a secretaria subordinada ao Ministério da Economia com o plano de fazer avançar o Programa Nacional de Desestatização (PND), por meio de privatizações via leilão, venda de ações, aumento das parcerias público-privada e expansão das concessões. De acordo com dados apresentados pelo próprio governo, o Estado tem participação, hoje, em mais 600 empresas no Brasil e detém cerca de 750 mil imóveis. A venda desses ativos teria capacidade de somar U$ 250 bilhões aos cofres públicos – medida considerada essencial pela equipe econômica para abatimento da dívida pública que, em dado momento de 2019, chegou a ser equivalente a 80% do Produto Interno Brasileiro (PIB). A título de comparação, países desenvolvidos têm relação dívida/PIB média de mais de 100%, com previsão de aumento nos próximos anos, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI).


O tamanho da agenda privatista


A agenda de privatizações no Brasil não é nova. O construção do atual modelo remonta à criação do PND em 1990, tendo sido tal programa marginalmente alterado nos anos de 1997, 1998, 2010 e 2016, quando foi criado o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que atualmente precede o PND nos estudos dos projetos de desestatização. Não é modesta, no entanto, a expectativa da equipe de Bolsonaro de arrecadar, ao longo do mandato, cerca de U$ 250 bilhões.


De acordo com balanço realizado pelo BNDES, o PND arrecadou mais de U$ 100 bilhões, em 20 anos (1990-2015), com venda de empresas de telecomunicações e conclusão de 77 desestatizações nos setores elétrico, portuário, siderúrgico, petroquímico e de mineração, dentre outros. As privatizações federais foram responsáveis por cerca de 70% desse total. Em um quinto do tempo, Paulo Guedes espera arrecadar 2,5 vezes mais.


Depois de 1 ano de governo, a cifra de U$ 250 bilhões não é mais mencionada, mas o reordenamento do papel do Estado na economia permanece como questão crucial. Das mais de 600 empresas das quais o governo participa, o secretário de desestatização anunciou querer se desfazer de 300.


Avanços e obstáculos em 2019


A meta estabelecida para 2019 foi superada. Ao invés dos U$ 20 bilhões previstos inicialmente, o governo arrecadou cerca de U$ 26 bilhões com venda de ações, campos de petróleo e 3 subsidiárias da Petrobras (TAG, BR e Liquigás). A Petrobras respondeu por quase metade da meta alcançada. O resultado, no entanto, pouco mais que 10% do prometido para os 4 anos de mandato, foi considerado bastante tímido pelo mercado. Os avanços, além disso, estiveram quase todos relacionados a desestatizações já previstas e minimamente encaminhadas pelo ex-presidente Michel Temer. O Planalto ainda não avançou de forma significativa em novos planos, a despeito de sua vontade política e da convergência das agendas econômicas do governo e da Câmara. Dentre os possíveis fatores que contribuíram para esse cenário, destacam-se: procedimentos previstos no próprio PND; retórica em torno da ineficiência de todas as estatais, dificultando a articulação com o Congresso; falta de articulação com as duas casas legislativas; interesses regionais em empresas públicas, especialmente Correios e Eletrobras; e tempo gasto, em 2019, com a aprovação da reforma da previdência. Para além do fato de que alguns desses fatores permanecem como elementos restritivos em 2020, a avaliação de investidores é de que os projetos mais importantes da agenda ainda não estão suficientemente maduros para saírem do papel. O governo, todavia, insiste em sua capacidade de acelerar processos em 2020 e 2021, especialmente no que se refere à venda integral de estatais. A meta para 2020 é mais ambiciosa que a de 2019: U$ 38 bilhões.


O que pode mudar em 2020


Dentre os fatores que o próprio governo identifica como entraves às desestatizações, a sistemática de operação prevista na legislação brasileira é um deles. Desde 2016, a autorização para a desestatização de uma empresa é feita por um conselho composto de 11 membros do executivo e de 3 bancos públicos (BNDES, BB e Caixa), no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). A entrada da empresa no Programa Nacional de Desestatização (PND) depende de um decreto presidencial que se segue à autorização emitida pelo Conselho do PPI. A concretização da operação tem média de duração de 2 anos. O governo atua em 3 direções para a revisão desse processo.


No final de 2019, gestores do PPI aprovaram um processo simplificado de autorização de privatização para empresas com valor inferior a U$ 75 milhões, em que se enquadra boa parte das empresas do PND. Além disso, agora no início de 2020, o governo preparou um projeto de lei, que tem por objetivo reduzir o tempo de estimado das desestatizações e permitir o cumprimento da meta do ano. O projeto será apresentado ao Congresso ainda no mês de fevereiro na expectativa de que se obtenha aprovação antes do início das campanhas às prefeituras municipais, período em que as casas legislativas diminuem o ritmo de suas atividades. O chamado “fast track” das privatizações garante a entrada de algumas empresas no PND sem que passem pelo PPI e reduz prazos para contratação de bancos e empresas de consultoria. Por fim, aproveitando crise instalada na Casa Civil, com a demissão de um importante gestor do órgão, Bolsonaro transferiu a gestão do PPI, antes lá ancorada, para o Ministério da Economia. A aposta do governo (e do mercado) é de que, sob a égide de Paulo Guedes, os processos ganharão celeridade.


Empresas no radar


Empresas que geram ativos e operam créditos públicos, além de outras dos setores de energia, comunicação, tecnologia da informação, infraestrutura portuária, agrícola, financeira e de transporte urbano são prioridade de venda do governo nos próximos 2 anos. Abaixo a lista das empresas cuja privatização já foi anunciada pela Secretaria de Desestatização.



*No PPI desde 2000, sem privatização concluída.

Nota: Há também previsão de privatização, em 2020, de 22 aeroportos e 4 rodovias, segundo dados encaminhados pelo governo ao Tribunal de Contas da União. Ademais, não constam do quadro acima unidades de produção da Petrobras que serão transformadas em subsidiárias para que sejam privatizadas sem necessidade de autorização do Congresso Nacional.


Dentre as 17 empresas listadas, há expectativa de grande resistência à privatização de ao menos cinco: Correios, Eletrobras, Serpro, Dataprev e Casa da Moeda. O Congresso tem se manifestado contrariamente à venda dos Correios e especialmente da Eletrobras, cuja privatização depende de sua autorização. O projeto apresentado pelo Executivo não atende a critérios considerados relevantes pela Câmara e, principalmente, pelo Senado. Por outro lado, trabalhadores do setor elétrico já se mobilizam em torno da construção de fortes movimentos grevistas e garantiram, em acordo coletivo de trabalho, redução e controle do número de demissões até 2021. A Casa da Moeda já enfrentou greve de 24 horas motivada pela rejeição à proposta de privatização da empresa e o Dataprev recentemente negociou o fim da greve de 2 semanas de seus empregados, recuando com relação à demissão imediata de 500 servidores.


Controvérsias na equipe presidencial


Embora a necessidade de avanço da agenda privatista até o final do governo Bolsonaro seja consenso no âmbito da equipe presidencial, não há unanimidade sobre o que nela cabe. Correios, Petrobras e bancos públicos são objeto de divergência (ao menos retórica) entre ministro da economia e presidente. Guedes acena positivamente ao mercado, insistindo na importância de sua privatização, enquanto Bolsonaro dialoga com eleitores e militares ao defender que permaneçam sob controle estatal. Pesquisa recente do Datafolha (set/2019) revelou que, embora tenha havido pequeno aumento da proporção de brasileiros favoráveis às privatizações (de 20%, em 2017, para 25% em 2019), 67% da população se opõe a elas de forma geral e mais de 60% rejeita especificamente a venda dos Correios, da Petrobras, da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil (BB). O ímpeto privatista da ala militar do governo, por sua vez, ainda esbarra na defesa histórica de controle estatal de áreas consideradas estratégicas para o desenvolvimento e a segurança nacionais, a despeito do fato de que tal posicionamento pode ter sofrido alterações recentes, à exemplo da aceitação, por partes dos militares do governo, da venda do setor comercial da Embraer à Boeing.


Os dois fatores acima citados, contudo, não têm impedido Guedes de prosseguir com planos de venda fatiada de algumas dessas empresas-alvo de grande porte. A privatização, por ele anunciada, dos fundos de investimento do BB e da gestão de seus ativos além das vendas consecutivas de ativos da Petrobras são exemplos de medidas nessa direção. Cerca de 18 mil trabalhadores da Petrobras estão há mais de uma semana com atividades paralisadas em 13 estados contra o fechamento de uma fábrica de fertilizantes. Eles prometem mobilização contínua contra a privatização prevista de 8 refinarias.


Perspectivas: mercado, congresso e sociedade civil


Os tímidos resultados alcançados em 2019 (a despeito da superação da meta), a falta de cronograma detalhado, os sinais trocados emitidos pelo governo, a resistência parcial da ala militar e os protestos da sociedade civil organizada são fatores que alimentam a descrença do mercado no cumprimento da meta de desestatização em 2020. Além disso, não há sinais de melhoria estrutural da articulação do governo com o Congresso. Isso significa que nos pontos em que não há convergência explícita entre os planos de Paulo Guedes e as preferências de parlamentares, e em que se exige a aprovação das casas legislativas, o Planalto poderá encontrar dificuldades. É o caso, por exemplo, da venda da Eletrobras e dos Correios. As eleições municipais de outubro próximo tendem a conturbar ainda o mais cenário sob o ponto de vista do tempo necessário à tramitação dos projetos autorizativos e da pressão a ser exercida, sobre governo e parlamentares, por grupos regionais a serem impactados pelas privatizações.


Nada disso muda a natureza da agenda governamental, mas regula expectativas. O governo, que se apresenta como o mais liberal da história recente brasileira, tende a continuar privatizando menos do que gostaria e a enfrentar tensões em direções opostas. Do mercado, porque há grande expectativa de resultados mais ambiciosos; da sociedade, porque a rejeição já identificada à agenda soma-se a um baixo crescimento do PIB e a uma alta taxa de desemprego - fatores que podem aumentar o ceticismo com relação à capacidade de as privatizações resultarem em melhoria geral do bem estar econômico. Essas expectativas, via de regra, costumam ser fator importante no fluxo de investimentos no país e nas movimentações do mercado financeiro.

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