Covid-19 chega ao Brasil
O início de março marcou a ocorrência dos primeiros casos de transmissão comunitária do novo coronavírus no país, nas cidades de Rio de Janeiro e São Paulo. Embora já existam diagnósticos em outros estados, as duas maiores metrópoles brasileiras são as maiores preocupações do governo, em particular a primeira, conforme verbalizado pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Algumas das primeiras ações dos diferentes níveis de governo foram o fechamento de escolas no Distrito Federal e a implantação de um pacote de medidas do Ministério da Economia que, dentre outras coisas, facilita a importação de bens hospitalares e suspende a prova de vida de beneficiários do INSS, em geral idosos e mais sujeitos aos riscos oferecidos pelo novo vírus. Os estados de Rio de Janeiro, São Paulo e Rondônia, além do Distrito Federal, já anunciaram o fechamento de escolas e outras medidas, como o cancelamento de eventos públicos. No caso do Rio, mesmo cinemas e teatros foram fechados provisoriamente.
Economia doente
Ainda não há clareza sobre como o vírus se propagará no país e sobre outras medidas que o governo adotará. O certo é que antes mesmo de se manifestarem os efeitos mais danosos em termos de saúde pública, a pandemia já afeta sobremaneira uma economia que ainda patinava em sua recuperação. O índice Ibovespa despencou e as previsões de crescimento para 2020 foram reduzidas, em um movimento que não parece ter se estabilizado. Já há cobranças substantivas no meio empresarial e mesmo em veículos de imprensa alinhados às políticas do governo por medidas que garantam liquidez e investimentos.
Novos atritos entre Congresso e Planalto
A relação entre governo e o Congresso viveu em fevereiro um dos momentos de maior tensão desde a posse de Jair Bolsonaro. O episódio a despertar o novo conflito girou em torno do controle sobre o orçamento público. A Lei de Diretrizes Orçamentárias aprovada pelo Congresso em 2019, referente a 2020, regulou o orçamento impositivo de modo a dar ao relator do orçamento controle sobre R$30 bilhões para o ano, passando ao Congresso parte do poder historicamente concentrado no executivo. O dispositivo foi vetado por Jair Bolsonaro, mas lideranças parlamentares mostraram-se dispostas a derrubar o veto, caso as negociações sobre um termo comum não fossem exitosas. Em meio a negociações para diminuir a fatia controlada pelo legislativo, o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, foi flagrado sugerindo que Bolsonaro desafiasse o Congresso. O episódio gerou pronta resposta do presidente da Câmara Rodrigo Maia, que acusou o militar de ideólogo radical contra a democracia. A hostilidade entre os poderes continuou em uma crescente quando o presidente Bolsonaro decidiu estimular seus seguidores a participarem de manifestação contrária ao Congresso Nacional.
Qual é o futuro da agenda liberal?
O conflito entre Congresso e Planalto tem o potencial de gerar consequências graves para o governo, em particular para a agenda econômica de austeridade fiscal, liderada pelo ministro Paulo Guedes, que, até o presente, conseguiu manter interlocução com deputados e senadores, mesmo em meio às crises geradas por Bolsonaro e seus generais. Além da disputa sobre o orçamento, um primeiro sinal de retaliação foi dado no início de março por lideranças parlamentares, quando o Congresso aprovou projeto de lei que aumenta a população elegível para o Benefício de Prestação Continuada - importante programa de segurança social para idosos com baixa renda e outras situações de precariedade social. O governo entrou com recurso no Tribunal de Contas da União, alegando que não havia previsão de receitas na medida aprovada e, por ora, conseguiu suspender a medida. Esse, entretanto, é apenas um sinal do que pode estar por vir. O envio da reforma administrativa que havia sido planejada pelo governo, e que tem por objetivo mudar a estrutura de carreiras do funcionalismo público federal para os novos ingressantes, foi adiado após as declarações do general Augusto Heleno. Mesmo projetos que já estão tramitando no Congresso, como a PEC Emergencial, devem ter discussão e votação adiados, agora também por conta do coronavírus. Há também cobrança cada vez maior sobre o Ministério da Economia de medidas para se lidar com o baixo e frustrante crescimento da economia, que deve ser ainda revisado para baixo em razão da epidemia do coronavírus. Rodrigo Maia considerou medíocres as primeiras medidas anunciadas pelo governo. Ao mesmo tempo, há pressão dos governadores por mais recursos para que lidem com a epidemia, enquanto as projeções são de queda na arrecadação prevista.
O governo e a agenda policial
As turbulências do fim de fevereiro e início de março quase jogaram no esquecimento o motim de policiais militares no Ceará, o qual ganhou proporções nacionais quando o senador licenciado Cid Gomes (PDT-CE) acabou baleado. O ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro autorizou o envio da Força Nacional, mas reiterou que policiais não devem, em suas palavras, ser tratados como bandidos. O chefe da Força Nacional escalado por Moro chegou mesmo a chamar os policiais amotinados de heróis. Não é a primeira demonstração de proximidade entre o atual governo e as forças de segurança. As mudanças na previdência afetaram de forma significativamente mais branda as categorias nacionais e estaduais. É notória a proximidade do presidente Jair Bolsonaro com policiais militares do Rio de Janeiro, com quem o presidente cultivou relações em seus tempos de deputado, alimentando, inclusive, suspeitas de vínculos entre sua família e as milícias que criminosamente controlam regiões da capital fluminense e mesmo de cidades do interior. O tempo dirá o lugar que será ocupado por militares de todos os níveis no perigoso jogo que envolve Planalto e Congresso.
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