O que vem depois da previdência?
Em outubro, o plenário do Senado aprovou a reforma da previdência, que deve ser promulgada pelo Congresso em novembro. O desfecho era esperado e libera as energias do Ministério da Economia, de Paulo Guedes, para dar continuidade ao seu projeto de liberalização da economia brasileira e redução do papel do Estado. Dentre as novas mudanças constitucionais previstas, destacam-se a PEC da emergência fiscal, em que estão previstos novos instrumentos de contenção dos gastos em caso de necessidade; a PEC da reforma administrativa, que prevê reestruturação e redução das carreiras do serviço público; e a PEC Mais Brasil, que desobriga e desvincula parte do orçamento público, aumentando, portanto, as despesas discricionárias e reduzindo as obrigatórias. Não tão claro está o caminho a ser perseguido por Guedes na questão tributária: duas propostas tramitam no Congresso enquanto se espera um projeto do Executivo. A falta de clareza na questão tributária sinaliza, assim como foi na reforma da previdência, que o ajuste fiscal do governo continua voltado mais ao gasto público do que à receita.
Quando virá a retomada?
O Banco Central brasileiro baixou novamente a taxa de juros do governo. A taxa Selic está agora em 5% ao ano, novo patamar mínimo histórico. Com a previsão de inflação abaixo da meta estabelecida pelo Comitê de Política Monetária (Copom), a expectativa do governo é que se constitua, no Brasil, um mercado de capitais que torne a economia menos dependente do financiamento público e seja capaz de propiciar crescimento mais sustentado e menos suscetível a surtos inflacionários. Preocupa, entretanto, a espera mais longa que o previsto para a retomada da atividade. Espera-se que medidas de curto prazo, como a aprovação de uma 13ª parcela do Bolsa Família e a liberação do FGTS de contas ativas e inativas, aqueça o consumo neste fim de ano. A maior esperança, contudo, está na retomada do setor petrolífero. O Senado acaba de aprovar novas regras para os leilões no regime de partilha, diminuindo as atribuições da Petrobras na área do pré-sal e abrindo mais espaço para o investimento estrangeiro. Além da economia do petróleo, espera-se que a agenda de privatizações e de mudanças de marcos legais - em particular na área de saneamento básico, telecomunicações e infraestrutura - também atraiam considerável investimento de outros países.
Desemprego e desigualdade
A ansiedade por boas notícias econômicas se faz explicar. O governo do presidente Jair Bolsonaro vai chegando ao fim de seu primeiro ano de mandato em um contexto social consideravelmente difícil. A taxa de desemprego segue alta, próxima aos 12%, e não há, por ora, expectativa segura de que as reformas do ministro Guedes consigam reverter facilmente esse cenário. Pelo contrário, o que se observa até o momento é o aumento da desigualdade no país. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou, em outubro, estudo indicando que nunca foi tão grande a diferença entre brasileiros ricos e pobres: de acordo com o Instituto, a parcela mais rica da sociedade, de 1% da população, ganha 33,5 vezes mais que os 50% mais pobres. Não se deve descartar o risco de nova onda de agitação social no país, temor justificado pelos desafios enfrentados por governos de orientação econômica liberal na América do Sul: vale citar desde os violentos protestos ocorridos no Equador e Chile, até a vitória Kirchnerista na Argentina.
Qual coalizão governa o país?
A aprovação da reforma da previdência e a boa perspectiva de que outras mudanças constitucionais também sejam bem recebidas pelo Congresso não deve criar a ilusão de que o governo tem a seu favor ampla coalizão política. Isso revela, antes, a tendência em favor do liberalismo econômico da maior parte da atual legislatura, sob liderança dos presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente Rodrigo Maia (DEM) e Davi Alcolumbre (DEM), que também estão à frente da maioria de centro-direita do Congresso. A mesma coalizão que apoiou a reforma da previdência de Guedes mostra-se cautelosa com a agenda de privatizações, resistente às propostas do governo na dimensão dos costumes e fez a presidência recuar da indicação de Eduardo Bolsonaro à embaixada brasileira em Washington.
Implosão do PSL
A família Bolsonaro encontra-se em conflito aberto contra a direção de seu partido, o PSL, em razão da disputa sobre o acesso ao fundo partidário e ao fundo eleitoral da legenda, este segundo previsto para 2022. Como resultado, houve troca na liderança do partido na Câmara, com a saída do delegado Waldir (PSL) em benefício do filho do presidente, Eduardo Bolsonaro (PSL), e na liderança do governo no Congresso, com a troca de Joice Hasselmann (PSL), outra ex-apoiadora de Bolsonaro e atual dissidente, pelo senador Eduardo Gomes (PMDB). O presidente Jair Bolsonaro tem dado indicações de que pretende constituir novo partido, o qual, entretanto, não teria o mesmo peso do PSL, atualmente segunda maior bancada do Congresso. O conflito surge em momento que se estabelece a CPI das Fake News, comissão parlamentar de inquérito feita para investigar a disseminação de notícias falsas e assédio virtual durante as eleições. O governo que apostou em governar o Brasil sem formar uma coalizão parlamentar majoritária, agora apresenta dificuldades para manter o apoio do próprio partido, precisamente em momento de delicado contexto político e social.
Os militares e Bolsonaro: risco de retrocesso autoritário?
Em recente entrevista, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL), filho do presidente Jair Bolsonaro, sugeriu que o governo deveria se inspirar no Ato Institucional nº 5, o mais autoritário ato da ditadura militar brasileira, em caso de radicalização da esquerda, nas palavras do deputado. A reação das lideranças do Congresso foi relativamente forte, mas não tão significativa quanto a declaração do general Augusto Heleno, chefe do gabinete presidencial, que pareceu corroborar a afirmação do filho do presidente ao dizer que, no caso de novo AI 5, o governo teria de “estudar como fazer”. As declarações de Eduardo Bolsonaro e Augusto Heleno vêm à tona às vésperas do julgamento em que o Supremo Tribunal Federal pode declarar inconstitucional a prisão em segunda instância, decisão que colocaria em liberdade mais importante líder da esquerda brasileira, Lula (PT) . Em situação análoga em 2018, o então Comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, manifestou a contrariedade das Forças Armadas - ou ao menos do grupo que representa - ao citar o risco de ‘convulsão social’ às vésperas do julgamento de habeas corpus pedido por Lula.
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